A discussão pública das políticas econômicas
José Alexandre Scheinkman*
Centenas de economistas
assinaram um manifesto contra a atual política econômica, defendendo o controle
de câmbio, a redução do superávit primário e a ampliação dos gastos públicos, a
redução da taxa de juros, o aumento dos investimentos públicos e o incentivo a
certos investimentos privados, a substituição de importações e o controle da
inflação por políticas de renda (leia-se controle de preços e salários.).
O manifesto, chamado “A Agenda
Interditada”, pede uma discussão pública das conseqüências de propostas
econômicas que só pode ser bem vinda. Foi exatamente com este espírito que
participei, há quase um ano, da elaboração da “Agenda perdida”. Ali, oferecemos
um conjunto de diagnósticos e propostas fundamentados em pesquisas acadêmicas
de caráter quantitativo, muitas delas utilizando as bases de microdados que
foram construídas no Brasil nas últimas décadas. A “Agenda perdida” sistematiza
uma parcela das evidências empíricas relevantes e contém referências a
trabalhos acadêmicos que apoiam as conclusões. Apesar da coincidência no nome,
a “Agenda Interditada” não faz nenhuma referência a evidências empíricas ou a
trabalhos acadêmicos.
Esta distinção é central,
pois a discussão sobre políticas públicas precisa exatamente da contraposição
de argumentos e evidências sobre as propostas apresentadas. Todos desejamos que
o País retome sua trajetória de crescimento sustentável com maior justiça
social. Mas, para isto, a análise detalhada das experiências de outros países e
das características da economia brasileira é parte indispensável do debate. A
apresentação de argumentos com base na evidência empírica disponível e em
trabalhos com rigor acadêmico é fundamental para evitar repetir erros do
passado quando opiniões com pouca ou nenhuma evidência levaram à adoção de
políticas que resultaram em objetivos inversos aos pretendidos, com
conseqüências negativas para o país. Chamar uma proposta de “anacrônica” ou
“neoliberal” não é um substituto adequado.
A “Agenda Perdida” propõe,
por exemplo, uma política educacional agressiva porque o papel da educação no
desenvolvimento econômico está exaustivamente documentado na literatura
acadêmica. Além disso, a comparação do Brasil com países como Coréia, México ou
Chile demonstra que a nossa população é pouco educada para o nosso nível de
desenvolvimento. E 40% da desigualdade de renda de trabalho observada no Brasil
nas últimas décadas se correlaciona com a desigualdade do grau de escolaridade.
O manifesto dos economistas também defende a ampliação dos serviços de
educação, mas porque esse setor é grande gerador de emprego! Cabe aqui
perguntar: se esse não fosse o caso, o Brasil poderia continuar a tolerar a
desigualdade e subdesenvolvimento que resultaram da nossa política educacional
no passado?
Discutimos também a
integração do Brasil no comércio mundial e a questão de política industrial.
Observamos que, quando se compara o volume do comércio com a renda nacional
medida em poder de paridade de compra, o Brasil exporta e importa pouco. Se a
baixa taxa de comércio no Brasil decorre parcialmente do protecionismo dos
países mais ricos, ela é também conseqüência das políticas de substituição de
importações adotadas no passado. A “Agenda Perdida” aponta que a substituição
de importações encontra apoio na literatura acadêmica sobre indústria nascente,
mas que, ao mesmo tempo, é preciso atentar para os custos das políticas de
proteção. A proteção à indústria de informática prejudicou severamente setores
que utilizam produtos desta indústria como insumo. Também citamos um estudo do
comportamento de 1.700 empresas brasileiras no período 1988-1999 que atribuiu a
maior parte do aumento da produtividade dessas companhias à redução das tarifas
de importação de insumos mais eficientes. Foi por isso que a “Agenda Perdida”
sugeriu que o Brasil perseguisse uma política de aumento tanto das exportações
como das importações, o que permitirá que o país se beneficie das suas
vantagens comparativas e dos fluxos de novas tecnologias. Para criar vantagens
comparativas em setores de ponta, sugerimos políticas públicas de incentivo à
ciência e tecnologia. A experiência dos EUA em software ou biotecnologia assim
como a da Embrapa na área da agricultura são exemplos a serem imitados. A
“Agenda Interditada” se limita a sugerir a “administração do câmbio em nível
favorável às exportações” e mais subsídios à substituição de importações.
A estimativa feita para o
PNUD pela equipe do Ricardo Paes e Barros de que, se a economia crescesse por
10 anos a taxas de 4.5% ao ano, sem mudança no grau de desigualdade, a pobreza
extrema no Brasil só se reduziria à metade, sugere que o crescimento econômico
não será suficiente para resolver a questão da pobreza. Reforça essa conclusão
a observação de que o percentual de indigentes no Brasil mudou muito pouco
entre 1977 e 1993, com exceção do ano de 1986, quando o Plano Cruzado produziu
uma política econômica que se mostrou insustentável já a partir de 1987. É por
isto que a “Agenda Perdida” defende um ataque direto à desigualdade, combinando
políticas estruturais com políticas compensatórias. É surpreendente que, apesar
da excelente produção acadêmica no Brasil sobre pobreza ainda se afirme, como
no manifesto, que o foco em política macroeconômica se justifica porque
"[É] uma política estruturante da solução de outros problemas sociais e
econômicos – miséria, subemprego, marginalidade, iníqua distribuição de
renda, violência, insegurança”. Tal afirmação seria cabível em 1950, quando o
Brasil ainda não tinha passado por um extenso período de políticas semelhantes
que pouco diminuíram os nossos graves problemas sociais.
A “Agenda Interditada” não é
um receituário novo – as experiências mais recentes no Brasil de seguir tais
propostas ocorreram na década de 80. Nestes episódios, depois de um período
curto de expansão, tivemos inflação, crise cambial, mesmo se disfarçada pelo
controle de câmbio, e no final um longo período de crescimento medíocre. A
política econômica do atual governo indica que o Presidente Lula entende que
não há contradição entre estabilidade, crescimento no longo prazo e melhor
distribuição da renda. Há ainda muito a discutir sobre a melhor maneira de se
atingir estes objetivos, mas o debate vai exigir de todos que quiserem
participar um esforço intelectual sério.